Resumo
Na década de 60 do século XX, as profundas transformações sociais do pósguerradesencadeiam um aceso debate no seio das diferentes correntes do pensamentoarquitetónico.Encontramo-nos na génese da sociedade de consumo, na qual o fascínio damodernidade é veiculado pela publicidade e pela democratização dos novos meiosde comunicação. Começam a sentir-se os primeiros efeitos da globalização ocidental,e os novos produtos industriais invadem, agora, o espaço doméstico, transformandopermanentemente a vida quotidiana da classe média em ascensão.O cinema não é alheio às movimentações da sociedade e aos avanços técnicos daépoca e assume, em certos autores europeus, um compromisso social, passando a refletiras novas ideologias críticas, tornando-se, por vezes, um instrumento das mesmas.Consequentemente, afasta-se do cenário, enquanto mera ilustração e enquadramentoda ação, ao mesmo tempo que as câmaras abandonam os estúdios substituídos pelascidades em expansão, consolidando-as como o plateau de eleição do século XX.É neste contexto que a arquitetura, enquanto palco e suporte eficaz dastransformações sociais desta época, se torna o personagem principal da obra docineasta francês Jacques Tati (1907-1982) que, nos filmes Mon Oncle (1958) e Playtime(1967), desenvolvem uma reflexão cinematográfica sobre os estereótipos da arquiteturae design modernos, e os fenómenos sociais correlacionados, na década de 60.Numa altura em que as bases sociais da arquitetura moderna estão em revisão,Tati ilustra-nos o crescimento acelerado das cidades e a sua expansão em direção àperiferia, onde a elevada concentração populacional e a proliferação de novos bairrosindustriais originam o aumento da especulação imobiliária.A crítica do cineasta revela e põe em causa as limitações resultantes daracionalização esquemática da Carta de Atenas (1933), no que respeita ao Zoning eà proliferação de edifícios estereotipados. Neste sentido elabora uma caricatura daestandardização, consequência das novas técnicas e matérias industriais, que tornama arquitetura moderna num sistema produtivo e reprodutivo em série, promovendo asua própria imagem como slogan do movimento.Deste modo, em Playtime, assinala-se a construção em altura de edifícios deescritórios, estandartes da cidade moderna, e a sua dependência de um novo repertóriode infraestruturas (elevador, eletricidade, ar condicionado, intercomunicações#8230;).A crescente mecanização do espaço e automatização da sociedade são igualmentepostas em causa na Máquina de Habitar ilustrada pela casa Arpel, em Mon Oncle.Aqui, tudo comunica como na planta livre de Le Corbusier (1887-1965), mas ofuncionalismo esvai-se na prevalência da representação simbólica e da comunicaçãode um estatuto social.Da mesma forma, as relações quotidianas do utente com o espaço construído,ilustradas nos seus filmes, vão ao encontro das novas teorias e abordagem daorganização do espaço que, aliadas às ciências sociais, convergem na crítica aoracionalismo funcional do Movimento Moderno e à submissão passiva da atividadearquitetónica às determinantes da sociedade capitalista.O lugar, o desenho do espaço e as suas relações com o homem tornam-se, assim,uma questão central, propondo-se diversos modelos teórico-práticos de análise darelação entre projeto, forma arquitetónica e apropriação espacial.
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